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Rock & Roll? Sim. Puro? Difícil de dizer. Os Wraygunn vieram esta quinta-feira, dia 6, ao Music Box Lisboa para comemorar o sexto aniversário do espaço. A salada de frutas onde cabem blues, soul, swing, gospel e outros, foi o prato principal desta noite festiva. O concerto começou por volta das 00:30h e prolongou-se por uma hora e meia. Parabéns ao Music Box Lisboa, tanto pelo aniversário como pela escolha acertada.
Quem o conhece já vai sabendo que Paulo Furtado, vocalista dos Wraygunn, não é homem com papas na língua. Pois bem, e que maneira melhor de o demonstrar do que começando logo por «Nós somos os Wraygunn e fizemos parar a chuva»! Se eles têm poderes ou não, isso não sabemos, o certo é que àquela hora não havia pinga que caísse lá fora. Também não deixa de ser curioso que, depois de terem persuadido S. Pedro a parar com a chuva, tenham cantado "That Cigarette Keeps Burning".
Para muitos, deve ser desconcertante que oito elementos em cima de um palco em simultâneo não se atropelem em nenhuma ocasião mas, antes, sejam suficientemente briosos para se autorizarem uns aos outros a luzir. Há um Paulo Furtado com um termómetro vocal mais do que amplo, há um João Doce (percussionista) que não se perde nos grooves labirínticos por um segundo que seja, há Raquel Ralha e Selma Uamusse (backvocals) que, além de cem por cento afinadas, são a medula de muito do sentido harmónico que sustenta a música de Wraygunn. Muito mais havia para realçar, mas fiquemo-nos por aqui.
O palco foi sempre muito pequeno. Apesar disso, para os Wraygunn, pequenez não foi sinónimo de monotonia: muito se esperneou e muito se esbracejou por ali.
Também é verdade que Roma e Pavia não se fizeram num dia, assim como a galvanização da plateia não foi conquistada logo nos primeiros temas. Paulo Furtado estaria certamente ciente disso e facilmente se desenvencilhou do caso: «Estão prontos para receber hoje o Rock & Roll? Nós viemos entregá-lo!». A isto seguiu-se "She's a Go Go Dancer" que, segundo o vocalista, é o maior hit de sempre da banda conimbricense. Quem sabia não hesitou, quem não sabia foi quase obrigado a aprender os passos de shuffle que foram enchendo a sala gradualmente. "Track You Down" chegou de seguida, em homenagem pessoal de Paulo Furtado ao programa do Bruno Aleixo.
Este texto pecará sempre pela insuficiência de adjetivos que descrevam fidedignamente o estilo de Wraygunn. Até porque, durante um concerto como este, pode dar-se o caso de recorrermos a adjetivos por vezes antónimos, já que os Wraygunn souberam fazer o barulho, mas também souberam impressionar com os silêncios premeditados. Mais do que a qualidade musical per se, há todo um saber estar em palco, um saber utilizar o diálogo e as palavras indicadas, que não está ao alcance de qualquer banda. Mas, já que se fala na qualidade técnica, não posso deixar de sublinhar o esplendor dos arpejos de Paulo Furtado e os riffs sempre suportados com a pele dos dedos, sem qualquer auxílio da palheta.
"All Night Long" parecia, de facto, não ter um fim previsto: como já antes o vimos fazer, Paulo Furtado embrenhou-se no meio do público, abdicando sempre que necessário do microfone para deixar as vozes dos fãs tentarem a sua sorte. Subiu ao balcão do Music Box, emborcou um shot, descalçou-se, desfilou, tudo enquanto a "pobre" banda assegurava a música de fundo. Não podia dar-se a estes luxos se não merecesse primeiro a aprovação da plateia, algo que se esforçou sempre por garantir.
Bem sei que já falei numa salada de frutas para definir o estilo peculiar de Wraygunn, mas permitam-me que testemunhe a genuinidade de um Rock & Roll perfeitamente encaixável na ancestralidade americana do género, trazendo à memória aquelas saias com boca alargada típicas dos anos 50 que se adequavam aos passos de dança mais desinibidos. O grande Rui Veloso que me perdoe, mas a tutela do Rock & Roll português tem de ser feita a meias com os Wraygunn. Depois de "Love Letters From a Muthafucka", última música, Paulo Furtado deixou-nos com a sua bênção: «Que o amor esteja convosco!».
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