Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

ruionthehop


Sábado, 21.09.13

Festival Caixa Alfama: Tivemos Alfama e tivemos o proveito

Festival Caixa Alfama-3

O Tejo estava mesmo ali à mão de semear. A lua batia-lhe, cuidadosamente, amarelando-o. E Lisboa cabia-nos dentro dos olhos, tanto que nem sabíamos por onde começar a fitá-la. "Aqui mora o fado". Era este o cenário do Palco Caixa, o palco principal do Festival Caixa Alfama, uma autêntica aldeia do fado. São dois dias de fado, com 40 fadistas, espalhados por dez palcos. Fica o sentimento de frustração por não nos podermos auto-clonar para assistir a todos os concertos. Ainda assim, foi gratificante ver tamanha multidão e tão raros os espaços por ocupar. 

 

Festival Caixa Alfama-6

Na noite de ontem, coube a Gisela João a tarefa de abrir o pano pela primeira vez. Fê-lo de forma exímia, graças ao seu timbre imperial, que constrastava por completo com o tom mais ameninado das palavras não cantadas. Durante cerca de uma hora, a jovem fadista fez do corpo uma extensão das cordas vocais: aquilo que estas não conseguiam transmitir autonomamente, o corpo encarregava-se de o ilustrar. Ajoelhava-se, dava sapatadas no estrado, cerrava os punhos com um olhar felino. Não demorou muito tempo para que se desfizesse dos saltos altos: «desculpem, mas sinto-me desconfortável». Ficou atónita, e até sem jeito, pela forma como o púbico se mostrava empolgado com a sua atuação. Arrancou, sempre que quis, as palmas tricompassadas que o fado corridinho tanto exige. "Viva Alfama!", exclamou na despedida. Nota nove, de zero a dez. 

 

Festival Caixa Alfama-21

Ana Moura levou-nos aos fados, onde nós sossegamos as desventuras do amor a que nos entregámos. O brio e o arrojo valeram-lhe as muitas ovações e a participação do público em vários refrães, como foi o caso dos "Búzios", a peça que faltava a um puzzle que já contava com o aroma fresco da maresia. Na maioria dos casos, a diferença não tem que ver com o ser-se bom ou mau fadista, porque, felizmente, maus fadistas não temos. Depois, os bons são subdivididos em dois: os que causam arrepios e os que não causam. Com Ana Moura, nem a pele dos mais insensíveis está a salvo. Deixa-nos com o coração nas mãos, das vezes que coloca a voz quase ao jeito da perene Amália. «Finalmente alguém tem a ideia de fazer um festival com este conceito», disse em homenagem a Luís Montez, da Música no Coração. Mais tarde, ausentou-se por instantes, deixando-nos com um momento instrumental, também ele arrepiante, onde a guitarra portuguesa de Ângelo Rodrigues arrebatou a plateia. É claro que o "Desfado" estava reservado para o final. Ana Moura quase não teve de pegar no microfone. A multidão identificou-se com a composição bipolar e antitética de "Desfado".

 

Festival Caixa Alfama-22

Com uma toada mais monocromática e menos aparatosa, Camané fechou a noite, debaixo dos aplausos de um público que, perto do fim, já mostrava sinais de alguma sonolência. Culpa da hora avançada, nunca do aguerrido Camané. Confessou desde cedo que não tinha por hábito cantar temas já antes protagonizados por grandes nomes do fado. «Já não há nada a acrescentar», afirmou humildemente o fadista lisboeta. Ainda assim, pediu licença para entoar palavras emprestadas de Amália e também do poema "Presságio", de Pessoa Ortónimo. O amor quando se revela não se sabe revelar. Desfilou a sua já longa experiência, sempre destacando a excelência dos músicos que trouxe consigo. Nas bancadas alguém gritava por "Sei De Um Rio". Camané ainda disfarçou uma despedida, mas regressou prontamente e fechou mesmo a cantar o rio em que as únicas estrelas nele sempre debruçadas são as luzes da cidade. Esse rio foi o Tejo e as luzes emanavam de Alfama. 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 12:47

Terça-feira, 10.09.13

Arctic Monkeys e a AMputação do passado

Só há duas maneiras de dizer isto. Uma é: os Arctic Monkeys assinaram o Tratado de Tordesilhas. O mapa-múndi dos britânicos passa, agora, a ter uma configuração bifurcarda. A leste de Sheffield, os domínios estão entregues aos álbuns Whatever People Say I Am, That's What I'm Not (2006), Favourite Worst Nightmare (2007) e Suck It And See (2011). Nos territórios a oeste de Sheffield, a hegemonia está nas mãos de Humbug (2009) e, claro, do recém-nascido AM (2013), um disco "West Coast" que, no fundo, condensa R&B e riffs. Uma fórmula arriscada, mas quimicamente notável. A outra maneira é: os primatas de que Charles Darwin falava na sua Teoria da Evolução eram, afinal, os macacos do ártico. O seu primeiro modo de locomoção era feito com recurso aos quatro membros. A espécie evoluiu e no ano de 2013 aperfeiçoou o seu bipedismo. 

 

De 2009 em diante, Josh Homme, frontman dos QOTSA, revolucionou o processo produtivo do quarteto de Sheffield, provocando esta cisão de que falei acima. Na concepção dos álbuns da metade leste do novo globo, o trabalho de estúdio foi no sentido de afunilar o comportamento musical para o estilo pelo qual a banda se tornou célebre, equanto que, os álbuns da metade oeste se desviam desse afunilamento. De certa forma, Suck It And See é marcadamente anacrónico: seria mais lógico que tivesse antecedido Humbug, em vez de o suceder. O que motivou esta evolução foi o simples facto de os Arctic Monkeys se terem consciencializado de que conseguiram fidelizar o seu público. Ora, com o público na palma da mão, façam o que fizerem e toquem o que tocarem no futuro, já não deixarão de ser os Arctic Monkeys. Por outro lado, não podem ficar perplexos se a decisão que tomaram for alvo de controvérsia. AM é de difícil digestão. AM requer um exercício hermenêutico por parte dos ouvintes, implica investimento de tempo e, acima de tudo, condescência suficiente para aceitar a mudança. Sou o primeiro a assumir que as primeiras impressões de AM podem ser decepcionantes. Mas, neste caso, não podemos deixar que as primeiras impressões ditem o nosso juízo final. 

 

Economizou-se nos floreados, apostou-se mais no vazio instrumental temporário. A voz de Alex Turner é mais frequentemente forçada à solitude, abrindo-se-lhe as portas para resplandecer. Os riffs são mais ponderados, arrastados em vez de efémeros. Privilegia-se a repetição, sacrifica-se a diversidade. Os níveis de distorção caem drasticamente. O resultado é um som mais sóbrio, mais equalizado e, curiosamente, mais melancólico. A somar a isso, não passa despercebida a desaceleração significativa das baquetas de Matt Helders (baterista) sobre o prato de choques. Basicamente, resume-se a isto: até ao último álbum, os britânicos iam a conduzir em autoestrada, dando à vontade uns 180km/h; em AM, optaram por evitar portagens e enveredaram pela estrada nacional, onde vão agora a uns tranquilos 90km/h. Esta é a chave para a proliferação da balada na nova cena musical de Arctic. Este disco está apejado de construções unidirecionais, onde o que mais importa é canalizar a sensitividade de cada tema. Cheios de intencionalidade, os Arctic Monkeys criaram músicas em que é constante a sensação de que vai acontecer alguma coisa, surgir um clique, uma estrofe mais movimentada. Não acontece nada. É assim do início ao fim. E ainda bem. Fazer coisas complexas é mais fácil do que as fazer simples.

 

"Do I Wanna Know?", "One For The Road" e "Knee Socks" são exemplos-mor da estrutura monolítica experimentada em AM. Esse tipo de estrutura é excepcionalmente colmatada com a introdução inequívoca dos falsetes concomitantes de Matt Helders e Nick O'Malley (baixista). A fase experimental não se fica por aqui. Turner já havia confessado que nos seus tempos de juventude era adepto de hip-hop, porém, só agora o pudemos conferir, especialmente ao ouvirmos "Why'd You Only Call Me When You're High?", "Arabella" e "One For The Road". Ao contrário dos restantes álbuns, AM (e, se quisermos, Humbug) não é tão dançável. Foi feito para ser degustado. "Mad Sounds" e "I Want It All" quase igualam alguns dos temas de Oasis. Turner usa e abusa do vocativo, através do qual, parte constantemente para o flirt, com composições com uma tónica promíscua e sensualizada. Composições que parecem querer reproduzir o diário que Turner guardava debaixo da cama durante a sua adolescência, que, convenhamos, não deve ter sido muito feliz. A realidade é sempre uma incógnita e a alucinação não é tão esporádica quanto isso. Tudo, porque um coração foi, ao que parece, seriamente trucidado. "I wanna be your vacuum cleaner, breathing in your dust", palavras-chave do slow "I Wanna Be Yours", última faixa do álbum. John Cooper Clarke é o autor do poema, mas Alex Turner encarna-o por completo. 

 

Na crítica a um álbum, fica sempre bem dizer que é muito melhor que todos os outros que foram editados antes. Não se trata de ser melhor. AM procura fugir à remasterização e inaugura um novo ciclo, uma nova identidade. Resta esperar para ver se a "divisão do mundo em dois" terá continuidade no disco seguinte ou se o tratado será rasgado. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 23:17

Domingo, 01.09.13

Skunk Anansie: E o Jackpot vai para... o Crato!

A derradeira noite. O momento mais aguardado. Um recinto a rebentar pelas costuras. Eles vieram de Inglaterra. Estiveram 8 anos separados, desde 2001 até 2009. Senhoras e senhores, Skunk Anansie no Festival do Crato! A rouquidão foi certamente o resultado do diagnóstico pós-concerto. Um espetáculo de cortar o fôlego. Os céticos que se convençam: Skunk Anansie não foram areia a mais para o camião do Crato. Areia na proporção certa para um camião na potência máxima. A presença de britânicos no recinto não passou despercebida, dado o incremento do número de copos de cerveja espalhados pelo chão.

Mal o pano se abriu, os olhares convergiram todos para a vocalista Skin. Outra coisa não seria de esperar. A britânica foi caprichosa na altura de investigar o guarda-roupa. O traje espampanante emprestou-lhe umas certas feições do bonequinho da Michelin. Também cedo se desfez daquele peso porque precisava de liberdade para pôr cá para fora toda a energia. Conseguem imaginar uma retroescavadora com formas humanas? Eu também não conseguia. Até ontem. Ainda nem se tinham passado dez minutos e já ela andava a mergulhar na multidão como se esta fosse um insuflável. Dessa vez, o insuflável ainda estava em processo de enchimento e Skin teve de pôr a marcha a trás.

«Vocês são absolutamente fantásticos», disse. O Crato nunca tinha saltado tanto como ontem. "This is not a game" e "Yes it's fucking political" provocaram o tumulto total. Skin estava sorridente e, ao mesmo tempo, enraivecida. Em dados momentos, dava a sensação que queria desabafar com o público português. Se calhar, foi por isso que voltou à carga com mais um crowd surfing. Agora sim, o insuflável estava bem fornecido de ar. Ela deleitou-se. E as mãos deles tiraram proveito, claro. Pelo andamento das coisas, "Hedonism" foi um tiro certeiro. De facto, o Crato levou um banho de hedonismo, ao qual nem os mais velhos escaparam.

«Portugal, vocês já tiveram o suficiente?», perguntava ela, já sabendo perfeitamente a resposta. O "não" gritado em inglês foi ensurdecedor. Era chegada a hora do terceiro crowd surfing. Desta feita, a confiança nos braços portugueses já estava cimentada e ir deitada na prancha não lhe aguçava a adrenalina. Toca a trepar a malta e passear um bocadinho a pé por cima de umas cabeças e ombros. É claro que até lhes podia causar dores de morte, mas o semblante empolgado e as interjeições de gáudio disfarçavam-no com distinção. E ela de certeza que caiu. Isto é, caiu na artimanha porque no chão ninguém permitiu.

No meio disto tudo, o que mais embasbacou nem foi o show off de Skin, mas sim a facilidade com que continuava a escancarar os maxilares, de uma flexibilidade tal, que chegava a parecer que nos queria devorar. Como quem não quer a coisa, Skin mete a mão ao bolso e saca instintivamente três ou quatro oitavas, sempre a agudizar. E isto, fazia-o tanto em palco, parada, como na turbulência dos crowd surfing's. O ar endiabrado e a rispidez das cordas vocais foram apanágio de uma atuação inqualificável, que o Crato não vai esquecer tão cedo. Quando voltou ao palco para o encore, cantaram-se os parabéns a Cass, baixista que também esteve em grande destaque durante o concerto. Como tributo ao público pelo seu comportamento exemplar, Skin desembrulhou "Follow me down", irrompendo pelo meio da multidão como se de Moisés se tratasse. Jackpot!

Fotografias por: Débora Lino

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 16:27

Sábado, 31.08.13

GNR no Festival do Crato: «Uma no Crato e outra na ferradura»

Ontem foi sexta-feira. Não em Albufeira. Sexta-feira no Crato. E mesmo que não fosse tal a bebedeira, continuar-se-ia sem saber onde é o mar. Porque o único mar que tem passado por aqui, é um mar de boa gente. Até agora, os números da organização apontam para mais de 42 mil, em apenas três dias. Os GNR também fizeram parte desse mar. Eles e todos os seus convidados.


Recuso-me a chamar torpe à Pronúncia do Norte. Rui Reininho mostrou estar no mesmo barco: «Alentejanos e tripeiros é tudo a mesma luta, nisso estamos todos de acordo (a banda). Eu cresci a ouvir um compadre alentejano (...), gosto muito da pronúncia alentejana, é muito bonita». Os GNR estão bem informados quanto ao plano de caça-ao-bêbado que a GNR tem implementado nas madrugadas do Crato. A banda nortenha admitiu que, se fosse a GNR de serviço e tivesse de decretar as regras de bom funcionamento do festival, «era engraçado ir ao balão antes de subir ao palco».


«Já foi no século passado» a última vez que o Grupo Novo Rock esteve no Crato. Por isso mesmo, já se vai tornando difícil recordar certas coisas. Rui Reininho fez a sua confissão: «Eu, por acaso, só tenho memória das más memórias, em termos de espetáculos. Praticamente são os sítios em que a coisa não correu assim muito bem». Concordaram que seria desajustado cantar "quero que você me aqueça nesse inverno", uma vez que o termómetro veranil não tem sido benevolente por estes lados.


«Boa noite, Crato. Bem-vindos ao nosso coração», disse o vocalista antes de entoar "Popless". Sempre hospitaleiro, apesar de estar numa casa que não era a sua, esforçou-se por arrancar uns sorrisos de um público que, durante um bom tempo, esteve algo reticente. A interação, tanto com a multidão como com os convidados que levou ao palco, foi sempre carimbada com cavalheirismo e fidalguia. O mesmo não se podia pedir das palavras, sempre num registo despreocupado, dominado pela gíria inata, mas cândida.


Stereossauro, que já foi campeão mundial de scratch ao lado de DJ Ride, foi o primeiro hóspede dos GNR a atuar. Mais tarde, chegou Mitó, vocalista d'A Naifa, com um timbre verde, amarelo e vermelho, a engalfinhar por completo a circunspeção da plateia. Depois, as asas foram para dançar eruditamente com Rui Reininho. O vocalista prostrou-se perante a excelência de Mitó: «Portugal tem boa música, não precisamos de dar assim tanta massa ao Justin Bieber, à Rihanna e a outros azeiteiros».


A versatilidade de "Rei Reininho", como se podia ler num cartaz junto das grades, culminou nas suas tentativas, com sucesso, para introduzir alguns temas em francês ou italiano. As métricas complexas da sonoridade de GNR foram sempre bem colmatadas pelo violino moscovita, igualmente sagaz, que foi alvo de muitas das palmas batidas. Márcia também as recebeu, meritoriamente. É impossível não lhe elogiar a simplicidade propositada e a meiguice encantadora. A guitarra bem manuseada, como se fosse parte de si, a delicadeza da entoação lusa, como estandarte de uma carreira.


Camané, mais do que cantar, inventou o verbo amar. Um verbo que até encaixou bem naquela noite, sob o signo da partilha de afeto. "Efetivamente", não foi um concerto épico nem arrebatador, mas foi um concerto bonito, muito bonito. No fundo, era isso que se pedia. Talvez, por isso, Rui Reininho se tenha encasulado sempre, depois de uma ou outra intervenção mais atrevida. Talvez o momento mais ruidoso tenha sido no encore, com "Mais vale nunca" e, claro, "Dunas". Despediu-se com um "Namastê". A nós, garantiram-nos que «a vontade é de continuar a inovar. Nem sempre se consegue, mas vai-se tentando».

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 17:57

Sábado, 31.08.13

GNR no Festival do Crato: «Uma no Crato e outra na ferradura»

Ontem foi sexta-feira. Não em Albufeira. Sexta-feira no Crato. E mesmo que não fosse tal a bebedeira, continuar-se-ia sem saber onde é o mar. Porque o único mar que tem passado por aqui, é um mar de boa gente. Os GNR também fizeram parte dele. Eles e todos os seus convidados.


Recuso-me a chamar torpe à Pronúncia do Norte. Rui Reininho mostrou estar no mesmo barco: «Alentejanos e tripeiros é tudo a mesma luta, nisso estamos todos de acordo (a banda). Eu cresci a ouvir um compadre alentejano (...), gosto muito da pronúncia alentejana, é muito bonita». Os GNR estão bem informados quanto ao plano de caça-ao-bêbado que a GNR tem implementado nas madrugadas do Crato. A banda nortenha admitiu que, se fosse a GNR de serviço e tivesse de decretar as regras de bom funcionamento do festival, «era engraçado ir ao balão antes de subir ao palco».


«Já foi no século passado» a última vez que o Grupo Novo Rock esteve no Crato. Por isso mesmo, já se vai tornando difícil recordar certas coisas. Rui Reininho fez a sua confissão: «Eu, por acaso, só tenho memória das más memórias, em termos de espetáculos. Praticamente são os sítios em que a coisa não correu assim muito bem». Concordaram que seria desajustado cantar "quero que você me aqueça nesse inverno", uma vez que o termómetro veranil não tem sido benevolente por estes lados.


«Boa noite, Crato. Bem-vindos ao nosso coração», disse o vocalista antes de entoar "Popless". Sempre hospitaleiro, apesar de estar numa casa que não era a sua, esforçou-se por arrancar uns sorrisos de um público que, durante um bom tempo, esteve algo reticente. A interação, tanto com a multidão como com os convidados que levou ao palco, foi sempre carimbada com cavalheirismo e fidalguia. O mesmo não se podia pedir das palavras, sempre num registo despreocupado, dominado pela gíria inata, mas cândida.


Stereossauro, que já foi campeão mundial de scratch ao lado de DJ Ride, foi o primeiro hóspede dos GNR a atuar. Mais tarde, chegou Mitó, vocalista d'A Naifa, com um timbre verde, amarelo e vermelho, a engalfinhar por completo a circunspeção da plateia. Depois, as asas foram para dançar eruditamente com Rui Reininho. O vocalista prostrou-se perante a excelência de Mitó: «Portugal tem boa música, não precisamos de dar assim tanta massa ao Justin Bieber, à Rihanna e a outros azeiteiros».


A versatilidade de "Rei Reininho", como se podia ler num cartaz junto das grades, culminou nas suas tentativas, com sucesso, para introduzir alguns temas em francês ou italiano. As métricas complexas da sonoridade de GNR foram sempre bem colmatadas pelo violino moscovita, igualmente sagaz, que foi alvo de muitas das palmas batidas. Márcia também as recebeu, meritoriamente. É impossível não lhe elogiar a simplicidade propositada e a meiguice encantadora. A guitarra bem manuseada, como se fosse parte de si, a delicadeza da entoação lusa, como estandarte de uma carreira.


Camané, mais do que cantar, inventou o verbo amar. Um verbo que até encaixou bem naquela noite, sob o signo da partilha de afeto. "Efetivamente", não foi um concerto épico nem arrebatador, mas foi um concerto bonito, muito bonito. No fundo, era isso que se pedia. Talvez, por isso, Rui Reininho se tenha encasulado sempre, depois de uma ou outra intervenção mais atrevida. Talvez o momento mais ruidoso tenha sido no encore, com "Mais vale nunca" e, claro, "Dunas". Despediu-se com um "Namastê". A nós, garantiram-nos que «a vontade é de continuar a inovar. Nem sempre se consegue, mas vai-se tentando».

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 17:46

Sexta-feira, 30.08.13

Festival do Crato: uma mini visita-guiada

O primeiro dia não foi suficiente para discernir por completo a essência do Festival do Crato. Ontem, decidimos aventurar-nos mais um pouco. Uma volta, mais uma e mais outra. São inúmeros os pontos de interesse no interior do recinto. Nós fizemos uma breve seleção e deixamos-te um roteiro para ficares a saber o que lá encontrar.


Ninguém que entre no Festival do Crato consegue ficar indiferente perante a heterogeneidade do público. As crianças não foram esquecidas. Para além dos insufláveis (que até a nós deixaram nostálgicos) e de alguns balões de hidrogénio que já sobrevoaram os concertos à noite, os pequenos podem disfrutar ainda das pinturas faciais e, quem sabe, tentar intimidar os pais com um rugido fantasiado.


Desenganem-se os que pensam que a diversão é só para os miúdos. Claro que nem todo o graúdo tem ousadia para se despir do seu ar mais sisudo e envergar as vestes da folia juvenil. Mas, para quem esteja já familiarizado com as lides da caça, não vai faltar oportunidade para afinar a pontaria. Obviamente que terão que se contentar com a virtualidade dos alvos que esvoaçam ao longo do ecrã. Bem, pelo menos estamos todos livres de perigo.


Bem-vindos ao Pernil no Espeto. Pela destreza e pela capacidade para tagarelar um pouco enquanto se trabalha, este é o caso mais indicado para se dizer que já são muitos anos a virar frangos. E não há nada melhor que se comer aquilo que se viu a ser cozinhado, não vá o diabo tecê-las.


Bafo é o nome perfeito para se dar a uma barraquinha quando se está no Alentejo em pleno Verão. Mas, quem aqui passa de relance pode não dar conta da variedade de "ofertas" e da multiplicidade de públicos-alvo que se podem atingir. Vejamos, para os portistas e sportinguistas, um shot de Sangue de Águia cai sempre bem. Até ao momento parece estar a resultar. Sanguessugas ou não, o certo é que os azuis e os verdes estão à frente dos vermelhos. Para quem é fã de outro tipo de desportos, que exijam idades menos avançadas, o Licor Viagra pode ser um bom complemento. Com isto tudo, íamos esquecendo a Sangria de Mirtilo...


O Crato não esquece as vítimas dos fogos que têm assolado o país nas últimas semanas. Uma bonita homenagem e um museu repleto de histórias de um corpo de bombeiros que já existe desde 1949.


Para quem não se entende com o rock, o reggae ou o pop, há sempre a hipótese de dar uns passinhos de samba mais atrevidos, seja sob efeito libertador da caipirinha ou não. A boa disposição, essa, é sempre garantida. Pena que não haja também uma praia tropical e uma água de coco. Vamos deixar a sugestão. Nunca se sabe o que nos espera no próximo ano.


Festivaleiros da pesada, esta é especialmente para vocês. Quem de nós não foi já para um festival e se esqueceu da escova ou da pasta de dentes em casa? O atum entranhado nos dentes não é coisa bonita de se ver. O Festival do Crato providencia-vos o espaço ideal para poderem refazer as pazes com a vossa higiene oral.

Fotografias por: Débora Lino

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 14:59

Sexta-feira, 30.08.13

Crato: Richie Campbell "is an addiction"

Ele já andava nas bocas do Crato desde o lusco-fusco, de cada uma das vezes que os mais empolgados trauteavam os seus refrães. Mas foi só por volta da uma e meia da manhã que o desejo daqueles se concretizou. A 911 Band subiu primeiro para prefaciar a primeiríssima vez de Richie em solo cratense. O livro aberto. Primeiro capítulo: "Medley".


Pode-se esperar tudo de Richie Campbell, exceto uma coisa: complacência. Não se põe com egocentrismos ou avarezas, até porque ele próprio confessa: «o concerto é 50% meu e 50% vosso». Mas também não está para meias medidas. É gentilmente implacável para com quem o vem ver. Rege-se pela máxima do "só faz falta quem cá está". E, nesse sentido, quem está, tem que se fazer ouvir, ver e sentir. Com Richie Campbell não se viu uma alminha a bocejar, não se viu um pé criar raízes ou um braço ganhar ferrugem, nem foram muitos os penteados poupados.


Vou arriscar dizer que, se pudesse, teria feito uma ligeira alteração no alinhamento. Eu explico: "911" só chegou já perto do fim. Ora, nesta altura já era demasiado tarde para socorrer as moçoilas histéricas à beira do desmaio ou, pelo menos, da quebrazinha de tensão. Felizmente tudo acabou em bem. Sim, porque Richie Campbell não é histérico, mas sabe como conduzir os outros até lá. Eletrizante, irrequieto, plasticina em palco. Este homem faz em palco o fitness que eu almejo fazer num mês. O fosso que separava a banda da plateia foi-se dissipando. O histerismo teve a sua utilidade. O público teve sempre o microfone ao seu dispor. E não houve ensaios.


"Everytime I Cry" foi enleada com o afamado verso "Oh-oh here she comes" do tema "Maneater", de Daryl Hall & John Oates. Em "Get with you" e "Love story", a pedra dos isqueiros foi ferida e a atmosfera esquentou, muito por culpa dos solos aventureiros protagonizados por Vânia, a quem Richie Campbell confiou a chefia do palco durante "Love is an addiction". Claro que, à medida que o adeus se avizinhava, a dúvida sobre se "Blame it on me" e "That´s how we roll" ainda chegariam, enervava muitos, especialmente os de cartaz na mão e os instalados nos ombros de outros (quais mártires).


Saiu do palco. Ouviu as súplicas gritadas do outro lado. E voltou. Richie fez a vontade ao Crato e o Crato, de facto, culpou-o inteiramente por ter dado espetáculo à séria. Mas, alto lá: «Não posso admitir que vocês vão para casa menos cansados do que eu!». Ele diz, está dito. O Crato é a pilhas recarregáveis. Dura. Dura. Dura.

Fotos por: Débora Lino

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 03:59

Quinta-feira, 29.08.13

Crato arrancou com um bom prato de entradas

A viagem foi dura. A estrada era apertada, sem berma, o alcatrão esburacado, o sol indomável, as ribeiras a implorar por um único jorro de água que fosse. Até que: "Bem-vindo ao concelho do Crato". Às quatro da tarde, a cerveja e o tremoço já tomavam conta do assunto. Os cafés e as praças a transbordar. Quão bom é sair de casa.


O primeiro dia é sempre o primeiro dia. E como já é de costume no Festival do Crato, a fita foi cortada pelo Presidente da Câmara. A banda filarmónica, vestida bem a rigor, cortejou pelas ruelas até invadir o recinto, trazendo atrás de si as falanges mais curiosas. À volta do palco eram poucos os que se contavam. A responsabilidade foi totalmente dos espaços de restauração e das tendinhas de artesanato. A paisagem de savana, só habitada pelas oliveiras e pelas fábricas de leite ambulantes e malhadas, contrastava com o frenesim do "experimentar isto", "ver aquilo", "dar uma vista de olhos", "perguntar quanto é". A multidão crescia a olhos vistos e, segundo dados da organização, depois das 23:00h já tinham sido vendidos mais de 15 mil ingressos.


O Festival do Crato é uma espécie de ilha rodeada de terra por todos os lados. A música começa mais tarde, é certo, mas este recinto está muito bem guarnecido. Não falta nada. É perfeitamente possível passar um dia inteiro aqui dentro com a garantia de um bom passeio, com muito para visitar e um bom convívio, com farnel para afagar o paladar. Ele é bebés a ser empurrados dentro do carrinho, ele é apaixonados-de-fresco a partilhar a caipirinha, ele é pequenas sociedades do "vai a cima, vai a baixo, vai ao centro e vai para dentro", do "mão direita, mão direita é penalty", ele é nascidos nos anos 30 e 40 a desfilar com uma energia invejável, ele é o Crato!


E Crato rima com Carlos do Carmo. Carlos do Carmo rimou com singeleza, brilhantismo e bodas de ouro. Sim, 50 anos de Carlos do Carmo e as velas sopradas pela rara brisa que corria. Um recital, uma declamação cantada. Uma vénia do Presidente da Câmara, com direito a uma lembrança pela data emblemática.


O público alentejano tem consciência de que a paciência é uma grande virtude. Tanto assim é, que não arredou pé sem antes ver, é claro, Os Azeitonas e o seu quase inevitável bilinguismo. Era uma e meia da manhã quando a espera acabou. Muitos braços no ar, muitos saltos, muita vontade de "ver aviões" e de ouvir "ray dee oh". Há quem diga que o primeiro dia dos festivais é sempre um "warm up". Estamos preparados para correr a maratona.


Fotos por: Débora Lino

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 01:05

Terça-feira, 27.08.13

5 razões pelas quais não vai querer faltar ao Festival do Crato 2013

O Alentejo pode ter muita má fama: ou porque o compadre é preguiçoso e gosta de uma boa sesta depois de encher o bandulho, ou porque pensa e age a velocidade-de-caracol, ou até porque fala uma língua estrangeira que não se ensina nas escolas; Mas, se é verdade que "toda a alma tem uma face negra", certamente também haverá, algures, uma mais alva. Um exemplo? É fácil. Crato: uma pequena vila do Alto Alentejo, no distrito de Portalegre, com tudo menos preguiça e pasmaceira (bem, pelo menos durante quatro dias). A 29ª edição do Festival do Crato, que começou por ser uma simples feira de artesanato e gastronomia, arranca hoje e prolonga-se até dia 31. Nós dizemos-lhe porque não pode faltar!

1 - Para (quase) todas as carteiras: Não vai a festivais de verão porque o custo dos bilhetes é exorbitante e, ainda por cima, não consegue ganhar os passatempos do Facebook que oferecem passes? O Festival do Crato tem a solução: se optar pelo dia 28, o custo de entrada é de 6€; no segundo dia, os bilhetes estarão à venda por 8€ e nos dias 30 e 31 poderá entrar no recinto por 10€/dia. Se for um adepto fervoroso e não quiser perder um único dia, por 20€ terá na mão um passe completo. Tem ainda direito a campismo totalmente gratuito durante os 4 dias. Um pontapé na crise;

2 - Um regalo para o estômago: Farto dos hambúrgueres, pizzas e cachorros dos outros festivais? O Festival do Crato tem a solução: a bela da sopa de beldroegas ou de coentros, as migas de batata e de espargos que sempre quis provar, ou até mesmo o rico entrecosto de porco. Para aqueles que têm um armazém mais insaciável há ainda o bolo da sogra e a barriga de freira. Há muito ar livre para uns minutos de jogging, se as calorias apertarem.

3 - Um cartaz apelativo: Já não tem tímpanos que resistam a tantas horas de Bruno Mars na rádio? O Festival do Crato tem a solução: Carlos do Carmo, Os Azeitonas, Richie Campbell, GNR, Aurea, Diabo na Cruz e os britânicos Skunk Anansie.

4 - Oferta cultural variada: Não gosta de festivais exclusivamente de música? O Festival do Crato tem a solução: Até dia 31 de Agosto, poderá visitar a exposição “Barros de Flor da Rosa – Loiça Utilitária do Alto Alentejo"; Dia 29, o Auditório Municipal do Crato abrirá portas para uma mostra de curtas metragens ("Curtas em Flagrante"); No dia 30, vai ter a oportunidade de conseguir os seus minutinhos de fama no programa da RTP, Verão Total, apresentado por Tânia Ribas de Oliveira e Helena Coelho; e muito mais;

5 - As pernas da Aurea: O Festival do Crato NÂO tem a solução. Cada um está por sua conta.

Os On The Hop não vão faltar! Lá vos esperamos!

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 23:39

Segunda-feira, 22.07.13

Lee Fields fez corar muita gente

Os 10 anos do EDP Cool Jazz continuam a ser comemorados da melhor maneira. Que o digam as largas centenas de aficionados que na noite do passado dia 21 marcaram presença nos Jardins Marquês de Pombal, em Oeiras. A excelência de Lee Fields & The Expressions e a alta cilindrada dos Escort camuflaram a ventania que a todos deixou com pele de galinha. 

 

Lee Fields, marca registada, a fazer soul desde 1969, cedo nos impressionou com a sua capacidade quase olímpica de ginasticar tanto a voz quanto o corpo. Dessem-lhe, ali mesmo, um trampolim e ele teria certamente exacerbado as acrobacias que, se não encostavam o ímpar Michael Jackson a um canto, andavam lá perto. Não consigo deixar de matutar no facto de ser alguém com mais de 60 anos a dizer-me, a mim e a outros com idade para ser seus netos, "que comece a festa". O mundo deve estar virado do avesso. 

 

Tivemos de nos render às evidências quando Lee Fields tirou da cartola um "I Still Got It", provando que, passados mais de 43 anos de carreira, ainda não lhe perdeu o jeito. Sobressaía cada vez mais a discrepância entre o termómetro de Oeiras e o termómetro do artista afro-americano. Tornou-se algo caricato observar, em simultâneo, uma multidão constantemente à procura de agasalho e um Lee Fields a livrar-se do casaco quase em jeito desesperado. Talvez ele estivesse a sentir o amor doutra forma. De uma forma que mais ninguém ali conseguiu sentir. 

 

O certo é que foi sob o signo ininterrupto desse amor que aquele concerto decorreu. Tanto que o tema "Ladies" foi singelamente dedicado a todas as mulheres, em especial àquelas que ali estavam. Lee Fields mostrou dominar na perfeição os dialetos do engate. Sejamos realistas: não é qualquer sexagenário que se vira para várias mulheres portuguesas e diz "Não sei o vosso nome mas o vosso homem deve estar satisfeito". Mas atenção!, os dialetos que este senhor fala estão a milhas de distância do piropozinho que vem dos andaimes. Não confundamos uma serenata reverente com um ritual de acasalamento sobranceiro e asqueroso. 

 

Além de colocar sempre a mulher num pedestal, Lee Fields não escondeu o seu âmago exercitado, a sua sensibilidade antropocêntrica e o seu lado mais introspectivo. "I Wish You Were Here" serviu de abraço para "todos aqueles que já perderam alguém", tal como ele perdeu o seu pai, para o qual escreveu esta canção. Quando se alia a rouquidão magnânima de um timbre que não cabe nas colunas do palco à perfeição técnica dos The Expressions, o resultado só pode ser um: ovação, ovação, ovação. 

 

Actuar depois de Lee Fields seria um pau de dois bicos para qualquer um. Os Escort não escaparam a isso e, como tal, todos os esforços seriam praticamente vãos. Apesar de tudo, a exuberância de Adeline Michèle espelhou sempre bem a intenção de recriar a discoteca dos 70´s, com uma vasta panóplia de ritmos galvanizantes e uma orquestra quase a rebentar com as costuras do palco. Na plateia ouviu-se um "Give it to me, baby", a que a vocalista ripostaria com um redobrar da energia. Ainda foram algumas as palmas que tentaram acompanhar a batida constante de Escort. 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por ruionthehop às 12:13


Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Junho 2014

D S T Q Q S S
1234567
891011121314
15161718192021
22232425262728
2930