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Quinta-feira, 10.10.13

Turbo Lento: um disco Corpo Lento

"Escolhe um trabalho que ames e não terás que trabalhar um único dia da tua vida". As palavras são de Confúcio, mas o lema é dos Linda Martini. Uma história de dez anos, um novelo inicialmente ligado pelo hardcore e agora completamente desembrulhado por Turbo Lento. Não houve ordem de despejo da Casa Ocupada. Foi dentro dos seus quatro cantos que engendraram e aprenderam a amar esta lentidão do turbo. Chega-nos um disco suado, equilibrado e racional.


Turbo Lento é uma viagem de avião: ora estamos a tomar a bebida que a hospedeira de bordo nos serviu, enquanto folheamos o livro ou a revista, ora recebemos a ordem do comandante para recolocar os cintos e não nos assustarmos com a Turbo Lência que aí vem. Da bonança à tempestade, e vice-versa, o turbo é omnipresente, apesar das suas oscilações de intensidade: cada um dos quatro tem um controlo remoto no bolso. A viagem começa com uma descolagem de dois minutos e dois segundos, tempo que dura "Ninguém Tropeça nos Dias". Esta é uma faixa de aquecimento, estrategicamente construída para emoldurar o resto do álbum, que não terá outro momento cem porcento instrumental depois deste. Eis um ajuste no mecanismo basilar de Linda Martini (que vem no seguimento do que foi inaugurado em Casa Ocupada): acabaram-se as febres de melancolia que duravam mais de sete minutos. 

 

Em Turbo Lento, a descoberta da voz foi a descoberta da pólvora. De lado fica a essência mais contemplativa de Linda Martini, que é substituída pela permeabilidade das letras. André Henriques esganiça mais que nunca e o que lhe sai tem conteúdo. Depois da descolagem, "Juárez" é o primeiro momento caótico, a primeira briga, o primeiro olho negro. A culpa é das guitarras dissonantes e do crepitar infernal das cordas. "Panteão" e "Pirâmica" voltam a afrouxar os ânimos, com uma toada mais bucólica, onde a pauta se torna mais legível. A seguir a um fade out mais prolongado, é expectável que se dê uma explosão. Tudo pode mudar numa questão de segundos: é essa a incerteza que nos assola quando andamos de avião; é essa a legenda de Turbo Lento. 

 

Em "Sapatos Bravos" e "Febril", ambas com muitos vestígios de "Mulher a Dias" e "Cem Metros Sereia" (Casa Ocupada), encontramos a maior demonstração de qualidade musical deste novo disco. Num sobe e desce infinito, marcado pelas quebras súbitas de ritmo, estes dois temas dão-nos espaço para refletir, para apreciar, para nos deixarmos convencer. O sangue ferve mesmo com a chaga que Chico Buarque inscreve em "Febril", através dos versos de "Tanto Mar", um hino à liberdade de abril. Com um início a fazer lembrar as cenas dos westerns em que os cowboys se defrontam, "Tremor Essencial" cheira quase a balada. No fundo, é uma estrutura complemente oposta à de "Juárez". "Tremor Essencial" fala-nos - se quisermos fazer esta leitura - do percurso ascendente de Linda Martini. As palavras, escritas pelo filho de André Henriques, são afiadas: «Não queiras ser como toda a gente, não queiras crescer de repente».

 

"Ratos", primeiro single, é o tema mais comercialeco, o único com um esqueleto pop, que acaba por destoar do resto do álbum. O ADN de Linda Martini é novamente recuperado em "Aparato" e "Tamborina Fera", com grandes descargas de energia, tanto pela distorção, como pelo berrar uníssono que é atributo já antigo do quarteto português. Foi o início da descida, a perda de altitude, o alvoroço final. Primeiro as rodas traseiras e só depois a da frente: a aterragem é feita ao som de "Volta". Um fecho introspetivo, que dá as mãos a "Ninguém Tropeça nos Dias", em jeito de espiral. É como aterrar o avião de forma a que ele fique a postos para nova descolagem. Um álbum feito para tocar em loop e próprio para concertos dignos de grandes salas, largos palcos e públicos fanáticos.


Turbo Lento tem conta, peso e medida. Não é um hiato, não é um cordão umbilical que se corta. É um trabalho lapidado que, por um lado, prorroga algumas das marcas registadas de Linda Martini e, por outro, instaura novos rendilhados, novas manias. Turbo Lento é menos directo que Casa Ocupada, mas mais completo. Hélio Morais esgueira-se dos holofotes e não se faz ouvir tanto, talvez por se estar a guardar para as prestações ao vivo. As palavras, as guitarras e as linhas de baixo de Cláudia Guerreiro são agora mais nítidas. Esta é também uma nova página na história decenária dos Linda Martini, uma vez que assinaram pela primeira vez com uma major, a Universal. 

 

 

 

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por ruionthehop às 22:41



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