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Segunda-feira, 22.07.13

Lee Fields fez corar muita gente

Os 10 anos do EDP Cool Jazz continuam a ser comemorados da melhor maneira. Que o digam as largas centenas de aficionados que na noite do passado dia 21 marcaram presença nos Jardins Marquês de Pombal, em Oeiras. A excelência de Lee Fields & The Expressions e a alta cilindrada dos Escort camuflaram a ventania que a todos deixou com pele de galinha. 

 

Lee Fields, marca registada, a fazer soul desde 1969, cedo nos impressionou com a sua capacidade quase olímpica de ginasticar tanto a voz quanto o corpo. Dessem-lhe, ali mesmo, um trampolim e ele teria certamente exacerbado as acrobacias que, se não encostavam o ímpar Michael Jackson a um canto, andavam lá perto. Não consigo deixar de matutar no facto de ser alguém com mais de 60 anos a dizer-me, a mim e a outros com idade para ser seus netos, "que comece a festa". O mundo deve estar virado do avesso. 

 

Tivemos de nos render às evidências quando Lee Fields tirou da cartola um "I Still Got It", provando que, passados mais de 43 anos de carreira, ainda não lhe perdeu o jeito. Sobressaía cada vez mais a discrepância entre o termómetro de Oeiras e o termómetro do artista afro-americano. Tornou-se algo caricato observar, em simultâneo, uma multidão constantemente à procura de agasalho e um Lee Fields a livrar-se do casaco quase em jeito desesperado. Talvez ele estivesse a sentir o amor doutra forma. De uma forma que mais ninguém ali conseguiu sentir. 

 

O certo é que foi sob o signo ininterrupto desse amor que aquele concerto decorreu. Tanto que o tema "Ladies" foi singelamente dedicado a todas as mulheres, em especial àquelas que ali estavam. Lee Fields mostrou dominar na perfeição os dialetos do engate. Sejamos realistas: não é qualquer sexagenário que se vira para várias mulheres portuguesas e diz "Não sei o vosso nome mas o vosso homem deve estar satisfeito". Mas atenção!, os dialetos que este senhor fala estão a milhas de distância do piropozinho que vem dos andaimes. Não confundamos uma serenata reverente com um ritual de acasalamento sobranceiro e asqueroso. 

 

Além de colocar sempre a mulher num pedestal, Lee Fields não escondeu o seu âmago exercitado, a sua sensibilidade antropocêntrica e o seu lado mais introspectivo. "I Wish You Were Here" serviu de abraço para "todos aqueles que já perderam alguém", tal como ele perdeu o seu pai, para o qual escreveu esta canção. Quando se alia a rouquidão magnânima de um timbre que não cabe nas colunas do palco à perfeição técnica dos The Expressions, o resultado só pode ser um: ovação, ovação, ovação. 

 

Actuar depois de Lee Fields seria um pau de dois bicos para qualquer um. Os Escort não escaparam a isso e, como tal, todos os esforços seriam praticamente vãos. Apesar de tudo, a exuberância de Adeline Michèle espelhou sempre bem a intenção de recriar a discoteca dos 70´s, com uma vasta panóplia de ritmos galvanizantes e uma orquestra quase a rebentar com as costuras do palco. Na plateia ouviu-se um "Give it to me, baby", a que a vocalista ripostaria com um redobrar da energia. Ainda foram algumas as palmas que tentaram acompanhar a batida constante de Escort. 

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por ruionthehop às 12:13

Quarta-feira, 03.07.13

Jamie Cullum e o Momentum da viragem

Jamie Cullum está para o jazz assim como Judas está para o Cristianismo. Momentum é o apogeu do movimento emancipatório do circuito do não-pop, por parte do britânico. Naturalmente que os vestígios deste berço jazz são indeléveis da espinha-dorsal que norteia as composições de Jamie, o que significa que, apesar de pérfido, este rumo que enceta em Momentum não é mal-agradecido (muito menos pobre). Uma vez que a cisão não é – e provavelmente nunca será – integral, este é um “Judas” que não acaba com a corda ao pescoço.

O divórcio, parcial e amigável, entre Jamie Cullum e as suas raízes enquanto músico advém sobretudo da sua negligência para com as estruturas despreocupadas e elásticas do típico tema de jazz. Momentum é a cara chapada das playlists que perfazem a programação radiofónica mais comercial: não há espaço para confusões entre estrofes e refrão. Aliás, as palavras que emprestam título aos temas são quase sistematicamente pronunciadas no seu clímax – o refrão –, que no jazz, regra geral, não existe. A rigidez das estruturas que Momentum inaugura é incompatível com qualquer tipo de deambulações.

 A segunda – e não menos decisiva – razão que suscitou este imbróglio tem que ver com a postura do próprio Jamie Cullum. Excepção feita a “Pure Imagination”, este novo álbum mostra-nos um Jamie que já não se limita a prostrar-se perante as teclas e deixar-se acompanhar pela cúpula do prato de condução e pela presença simultaneamente vazia e corpulenta do baixo. Ouça-se, por exemplo, “Get a Hold of Yourself”, uma baladazinha folk, com uns falsetes à mistura, onde se prescinde completamente do piano.

O que mais pasma não é isso. O que mais pasma é o desprimor pela coesão estilística, que à partida se reflectiria num produto final pouco apetecível. Mas não. Já disse atrás, e mantenho, que Momentum não é jazz. Mas também não vos sei dizer o que é, nem estou aqui para esse tipo de especulações porque, na realidade, a inconsistência de Momentum é a receita para a sua consistência. Momentum tem um pouco de tudo: é a busca dum frame mais electrónico, dos ritmos mais funkeados, do preenchimento instrumental sem perder a reverência, é a imiscuição do rap de Roots Manuva no meio de “Love for Sale”. O cúmulo deste ecletismo é tocado em “When I Get Famous”, com uma sonoridade desconcertante a fazer lembrar as bandas sonoras que Quentin Tarantino tanto gosta. Quem sabe não venha mesmo a pedi-la emprestada a Jamie Cullum.

Mas é impossível desligar a excelência musical da excelência lírica, até porque Jamie se encarrega de ambas, e bem! Sente-se na perfeição a insistência anafórica, a rima inteligente, versátil e nada preguiçosa. O próprio questionamento retórico revela como Jamie Cullum se pretende demarcar categoricamente de paisagens quiméricas e lamechas, apesar de trazer várias vezes o amor para cima da mesa. A experiência e a mundividência pessoais são consagradas através das construções pseudo-poéticas do texto.

 

Há quem ache inevitável a equiparação a Michael Bublé. Honestamente? Neste disco, Jamie Cullum desenhou bem as fronteiras que os distinguem. O arrojo e a volubilidade tornam o pop de Jamie Cullum num pop tolerável, daquele que não temos vergonha que o nosso amigo mais próximo possa vir a descobrir nos recantos do nosso MP3.

 

 

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por ruionthehop às 01:46


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