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Segunda-feira, 19.11.12

Um conto de fados, várias gerações

Para comemorar o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações, o Parlamento Europeu teve a iniciativa de juntar várias gerações de fadistas portugueses. O espetáculo foi assinalado no palco do Teatro Tivoli, em Lisboa, na noite deste domingo, e contou com a presença de Carlos do Carmo, Cuca Roseta, Joana Amendoeira ou Celeste Rodrigues, entre outros artistas.


À porta do Tivoli, a um quarto de hora do início previsto, viam-se os autocarros e os táxis a contornar cuidadosamente as muitas pessoas que faziam fila para entrar no teatro. É verdade que a entrada era gratuita e que um domingo é o dia ideal para estas coisas mas, ainda assim, é de ressalvar a grande afluência do público. Era a noite do xaile e da echarpe, do braço dado e da alma lusa.

 

Ângelo Freire, fadista e guitarrista responsável pela arquitetura do alinhamento musical, surgiu pela retaguarda preenchendo com a sua voz o corredor central da sala. Fez-se silêncio para se cantar o fado. Silêncio esse que nem sempre foi fácil de preservar, não fossem algumas das vozes que por ali passaram bem capazes de causar arrepios na espinha. Os primeiros arrepios chegaram cedo, com a quase nonagenária Celeste Rodrigues a irromper no meio de um dos camarotes, deixando todos atarantados à procura da dona daqueles pulmões. Primeiro sozinha, e depois acompanhada por uma voz mais tenra, Celeste Rodrigues foi também a primeira a mostrar o quão ativo o envelhecimento pode ser.

 

O "Fado dos Sonhos", interpretado por Cuca Roseta, poderia ter emprestado o seu título a praticamente todos os restantes temas. A palavra "sonho" foi uma constante, não só nas composições cantadas, como nos discursos nervosos de alguns intervenientes. Percebeu-se que, afinal, o fado não vive só dessa tristeza, dessa melancolia que a tantos deixa incomodados. Afinal, o fado não veste só de preto, nem anda sempre cabisbaixo. Nesta noite, o sonho que todos carregavam nas suas cordas vocais, foi a cor nos vestidos longos.

 

Foi com amargura que Ângelo Freire anunciou a ausência de Fernando Alvim por motivos de saúde, ele que era um dos seus principais convidados. Em jeito laudatório, Ângelo protagonizou dois solos da criação de Carlos Paredes. «"O Canto de embalar" é uma das peças mais bonitas que aprendi», confessou ao auditório. Quem também não pisou aquele palco foi a imponente Carminho que, ainda assim, foi relembrada em "Meu Amor Vem Ver o Rio", por já ter dado voz a este tema de Fernando Alvim. Nélson Canoa (acordeão e teclas), Pedro Soares (viola de fado) e André Moreira (baixo) foram apresentados ao público ainda antes do intervalo por Ângelo Freire.

 

"A Rima Mais Bonita" de Marco Rodrigues, carimbou a reciprocidade salutar entre fado e poesia. A ele juntou-se a jovem Diana Vilarinho que entoou com distinção a "Balada da Neve" de Augusto Gil. José Manuel Rato, apelidado de "companheiro de estrada" por Ângelo Freire, passeou as suas 75 primaveras e partilhou o púlpito com Beatriz Felício. Materializava-se cada vez mais a concórdia entre maturidade e talento, primor e força de vontade. Dos timbres enrouquecidos aos mais meigos e aos mais majestosos, dos aparelhos vocais com décadas de treino aos que ainda atravessam a mudança da voz, nesta noite tornou-se percetível que fado é sinónimo de vivência, de partilha, de intimidade. Na idade civil atravessa-se forçosamente uma puberdade que, na idade do fado, se chega a existir, é suplantada com grande brevidade.

 

Joana Amendoeira e Micael Gomes foram briosos e abriram bem o caminho a Carlos do Carmo. Como não poderia deixar de ser, trouxe-nos "Lisboa Menina e Moça". Bem se tentou acompanhar ao som das palmas, mas fomos coagidos a conter-nos. O fadista deixou que cantássemos com ele o refrão e até nos entendemos bem. Antes de fechar, teceu algumas considerações sobre a importância da tradição oral e da passagem de um testemunho que já cruzou várias gerações.

 

Certo é que este fado não foi, em momento algum, um enfado. E, já que se falou tanto de gerações, importa exaltar uma geração do fado que está tudo menos "à rasca", uma herança cultural a ser entregue em boas mãos, ou melhor, em boas vozes. Só é de lamentar que a variedade de gerações que desfilou naquele palco não tenha também existido do lado de um público, no seu grosso, pouco jovem. Foram cerca de 30 músicas e aproximadamente três horas de um diálogo geracional, sempre feito em belo português.

 


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por ruionthehop às 04:13


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